SOBRE O CHÃO
As proposições da exposição "Sobre o Chão" visam questionar como as manifestações culturais e os modos de sociabilidade dos moradores marginalizados da cidade do Rio de Janeiro sobreviveram às diversas tentativas de apagamento ao longo de sua história urbanística - considerando como o ritmo, a ressonância e o próprio chão auxiliaram nessa continuidade.
O solo carioca, marcado por sobreposições de projetos e ruínas, transmitem seus ritmos mesmo soterrado pelas pedras portuguesas. Os surdos abafados pelas avenidas continuam vibrando a pautar nossas danças e pilhagens. A tremulação das peles esticadas e os subsequentes arrepios dos cabelos das nucas, o desenho que traça seu fundamento e a criação da expectativa pelo próximo golpe que a síncope cria é o que molda o tempo e nosso horizonte de movimento, como corpo aberto e coletivizado pela recepção e transmissão de vibrações.
Algo da memória e a prática da revolta e de uma certa forma de coletivização dos corpos estão incrustadas no chão como tatuagem, moldadas pelas movimentações que já ocorreram e servindo de molde para aquelas que estão por vir. Talvez as pedras portuguesas tragam instruções no seu verso de como virar munição, suas frontalidades sendo pisadas todos os dias mas ali por trás adormecidas os dizeres esperando o momento em que serão lidas uma outra vez.
Fotos: Tayná Uràz
PEDRA PORTUGUESA
Quem passa pela Praça Tiradentes, se parar pra botar o ouvido no chão, ainda consegue ouvir o som das bombas e gritos misturados aos surdos e batidões. A possibilidade de justapor tempos é o que o quadrinhos tem de mais específico e potente, e por isso me pareceu ideal para representar esse ritmo que atravessa temporalidades no mesmo bpm.
"Pedra Portuguesa" retrata um movimento em três tempos: a Revolta da Vacina, quando em 1904 a população barricou as ruas para resistir as remoções promovidas por Pereira Passos e suas políticas higienistas; Junho de 2013, quando a juventude se organizou em blocos pretos por direitos básicos de cidadania e cidade; e as manifestações estudantis de 1968 em decorrência do assassinato de Edson Luiz na mão da ditadura civil militar.
TREJEITOS
Existe algo que persiste nos pequenos gestos dos nossos mais velhos: uma cautela no manuseio, uma sagacidade no movimento, uma síncope na marcação. Algumas chaves de sobrevivência encontram morada no corpo das formas mais sutis. “Trejeitos” explora essa chave nas mãos de quem sempre carregou nosso futuro: quem veio antes.
MADRUGA
"Madruga” foi o primeiro tatuador de renome do Rio de Janeiro, atuando na zona portuária da cidade no início do século XX, como descrito por João do Rio no seu livro "A alma encantadora das ruas" (1908). Na época, tatuagem era feita na rua, em sua maioria por crianças, que marcavam marinheiros, prostitutas, pracinhas e os demais frequentadores do porto com suas crenças e paixões. Essas crianças tinham um chefe - Madruga, que além de tatuador era compositor e malandro notório das vielas cariocas. Apesar de eternizado nas páginas de João do Rio, não há registro fotográfico conhecido desse personagem histórico, assim esse quadro parte de um exercício de imaginação de sua figura, assim como um retrato das motivações e contexto da tatuagem na época.